segunda-feira, 1 de abril de 2013

Poema do Exílio (À Ferreira Gullar)


Escrevo para manter-me vivo
resgatar as lembranças
abraçá-las como a um filho perdido
não estou só
tenho ao meu lado o passado
minha infância querida
melhor passar fome
dormir no chão batido
sob as estrelas
do que ser náufrago
até as putas daqui
não me consolam
falam outra língua
com pudor exagerado
grito porque dói
choro porque sinto o horror
da fome saciada
a saudade me corrói
do tempo que não tinha nada
o cheiro da lama
guardo em minhas entranhas
apego-me a ele
como a um irmão
por que estou aqui tão longe?
fui parido ao avesso
cuspido como merda
a poesia faz-me resistir
escrevo para preencher-me
papel vazio
num teatro de ilusões
protagonizo angústias
melhor que estivesse morto
exilado para sempre
sonho com o dia de voltar à casa minha
beber água da talha
dizer para aqueles filhos das putas
que não sucumbi
que a mãe/madrasta me tratou
como a um filho querido
consolou-me
pariu-me não como as putas que os pariram
deu-me força
vá redescobrir sua terra
um novo Brasil
e sorria quando tudo isso passar
abra a gaveta
recolha os cacos guardados
junte-os
cole-os
de um vazio
surgirá um vaso
e ponha nele flores
para atrair os colibris...

Antônio Francisco Alves Neto
(Chico Peres) – 30.09.2011


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